Hippolyte Léon Denizart Rivail
- Allan Kardec -
1804 – 1869
Concluídos os estudos, tornou à França;
possuindo profundo conhecimento da língua alemã, traduziu para ela diferentes
obras de educação e moral, entre as quais, o que é característico, as de
Fénelon, que mui particularmente o seduziram. Era membro de muitas sociedades
científicas e entre elas a da Academia Real de Arras, que, no concurso de 1831,
lhe coroou uma notável memória acerca da questão: Qual o sistema de estudos
mais em harmonia com as necessidades da época?
De
Entre as numerosa obras de educação,
podemos citar as seguintes: - Plano para o melhoramento da instrução pública,
1828. - Curso prático e teórico de aritmética, segundo o método de Pestalozzi ,
para uso de professores e de mães de família, 1829. - Gramática francesa
clássica, 1831. - Manual para exames de capacidade. Soluções racionais de
questões e problemas de aritmética e de geometria, 1846. - Catecismo gramatical da língua francesa,
1848. - Programa dos cursos ordinários de física, química, astronomia,
fisiologia (que ele dava no Liceu Polimático).
Pontos para os exames da Câmara Municipal
e da Sorbonne, acompanhados de instruções especiais sobre as dificuldades
ortográficas, 1849, obra muito estimada na ocasião da qual ainda recentemente
se faziam novas edições. Antes que o Espiritismo lhe viesse popularizar o
pseudônimo de Allan Kardec, havia ele, como se vê, sabido ilustrar-se com
trabalhos de natureza mui diversa, os quais tinham pôr finalidade esclarecer a
massa popular, prendendo-a ainda mais ao sentimento de família e ao amor de
pátria. Em 1855, quando se começou a tratar das manifestações de Espíritos,
Allan Kardec dedicou-se a perseverantes observações do fenômeno e cuidou
principalmente de lhe deduzir as conseqüências filosóficas; entreviu de longe o
princípio de novas leis naturais; aquelas que regem as relações entre o mundo visível
e invisível.
Reconheceu, nas manifestações deste, uma
das forças da natureza, cujo conhecimento devia projetar luz a uma infinidade
de problemas considerados insolúveis. Finalmente percebeu a relação de tudo
aquilo com pontos de vista religiosos. As suas principais obras acerca da nova
matéria são: O Livro dos Espíritos, para a parte filosófica, cuja primeira
edição apareceu a 18 de abril de 1857. O Livro dos Médiuns, para a parte
experimental e científica, publicada em janeiro de 1861. O Evangelho Segundo o
Espiritismo, para a parte moral, publicada em abril de 1864. O Céu e o Inferno,
ou A Justiça de Deus segundo o Espiritismo, agosto de
A Revista Espírita, órgão de estudos psicológicos,
publicação mensal começada em 1 de janeiro de 1858. Fundou em Paris, a 1 de
abril de
Durante os primeiros anos de preocupação
com os fenômenos espíritas, foram estes mais objeto de curiosidade que de
meditações sérias. O Livro dos Espíritos fez com que fossem encarados pôr outra
face: desprezaram-se as mesas falantes, que tinham sido o prelúdio e se ligou o
fenômeno a um corpo de doutrina, que compreendia questões concernentes à humanidade.
Da aparição do livro data a verdadeira fundação do Espiritismo, que até então
só possuía elementos esparsos, sem coordenação, e cujo alcance não tinha sido
compreendido pôr todos. Também foi desde aquela época que a doutrina prendeu a
atenção dos homens sérios e adquiriu rápido desenvolvimento. "Em poucos
anos, as idéias espíritas contavam com numerosos aderentes nas classes sociais
e em todos os países.
O êxito, sem precedentes, é obra da
simpatia que essas idéias encontram, mas também é devido, em grande parte, à
clareza característica dos escritos de Allan Kardec. "Abstendo-se das
fórmulas abstratas da metafísica, o autor soube fazer-se sem fadiga, condição
essencial para a vulgarização de uma idéia. Sobre todos os pontos de
controvérsia, a sua argumentação, de uma lógica cerrada, oferece pouco material
à contestação e predispõe o antagonista à convicção. "As provas materiais,
que o Espiritismo fornece tanto da existência da alma como da vida futura,
derrocam as idéias materialistas e panteístas. Um dos princípios mais fecundos
da doutrina, o qual decorre do precedente, é o da pluralidade das existências,
já entrevista pôr inúmeros filósofos antigos e modernos e, nestes últimos tempos,
pôr Jean Reynaud, Charles Fourier, Eugène Sue e outros; mais tinha ficado no
estado de hipótese, ao passo que o Espiritismo demonstra a sua realidade e
prova que é um dos atributos essenciais da humanidade.
Desse princípio decorre a solução de todas
as anomalias aparentes da vida humana, de todas as desigualdades intelectuais,
morais e sociais. O homem sabe assim donde vem, para onde vai, para que fim
está na Terra e pôr que sofre aqui. "As idéias inatas explicam-se pelos
conhecimentos adquiridos em vidas anteriores; o caminhar dos povos explica-se
pelos homens do tempo passado, que voltam a esta vida, depois de terem
progredido; as simpatias e as antipatias, pela natureza das relações
anteriores, relações que ligam a grande família humana de todas as épocas aos
altos princípios da fraternidade, da igualdade, da liberdade e da solidariedade
universal, têm pôr base as mesmas leis a Natureza e não mais uma teoria.
Em vez do princípio: Fora da Igreja não há
salvação, que mantém a divisão e a animosidade entre diferentes seitas e que
tanto sangue tem feito correr o Espiritismo tem pôr máxima: Fora da caridade
não há salvação, isto é, a igualdade dos homens perante Deus, a liberdade da
consciência, a tolerância e a benevolência mútuas. Em vez da fé cega, que aniquila
a liberdade de pensar, ensina: a fé inabalável é somente aquela que pode
encarar a razão face a face, em todas as épocas da humanidade; para a fé é
preciso uma base e esta é a inteligência perfeita do que se deve crer; para
crer não basta ver, é preciso sobretudo compreender; a fé cega não é mais deste
século; ora, é precisamente o dogma da fé cega que produz hoje o maior número
de incrédulos, pôr querer impor-se. Exigindo a alimentação das mais preciosas
faculdades do homem: o raciocínio e o livre arbítrio. (Evangelho Segundo o
Espiritismo).
Trabalhador infatigável, sempre o primeiro
a iniciar o trabalho e o último a deixá-lo, Allan Kardec sucumbiu a 31 de março
de 1869, em meio dos preparativos para mudar de domicílio, como lhe exigia a
extensão considerável das múltiplas ocupações. Numerosas obras, que tinha em
mão, ou que só esperavam oportunidade para vir a lume, provar-lhe-ão um dia a
magnitude das concepções. Morreu como viveu: trabalhando. Desde longos anos
sofria do coração, que reclamava, como meio de cura, o repouso intelectual, com
pequena atividade material. Ele, porém, inteiramente entregue às obras,
negava-se a tudo o que lhe roubasse um instante das suas ocupações de
predileção. Nele, como em todas as almas de boa têmpera, a lima do trabalho
gastou o aço do invólucro. O corpo, entorpecido, recusava-lhe os serviços; mas
o espírito, cada vez mais vivaz, mais enérgico, mais fecundo, alargava-lhe o
círculo da atividade. Na luta desigual a matéria nem sempre podia resistir.
Um dia foi vencida: o aneurisma rompeu-se
e Allan Kardec caiu fulminado. Um homem desapareceu da terra, mas o seu grande
nome tomou lugar entre as ilustrações do século e um culto espírito foi
retemperar-se no infinito, onde aqueles, que ele próprio havia consolado e
esclarecido, lhe esperavam a volta com impaciência. "A morte, dizia mui
recentemente, a morte amiúda os golpes na falange dos homens ilustres!... A
quem virá ela agora libertar?" Foi ele, depois de tantos outros,
retemperar-se no espaço e buscar outros elementos para renovar o organismo
gasto pôr uma vida de labores incessantes. Partiu com aqueles que virão a ser
os luminares da nova geração, a fim de voltar com eles para continuar e
concluir a obra que deixou confiada a mãos dedicadas. O homem deixou-nos, mas a
sua alma será sempre conosco.
É um protetor seguro, uma luz a mais, um
labutador infatigável, que foi aumentar as forças das falanges do espaço. Como
na terra, saberá moderar o zelo dos impetuosos, secundar as intenções dos sinceros
e dos desinteressados, estimular os vagarosos - saberá enfim, sem ferir a
ninguém, fazer com que todos lhe ouçam os mais convenientes conselhos. Ele vê e
reconhece agora o que ainda ontem apenas previa. Não mais está sujeito às
incertezas e aos desfalecimentos e contribuirá para participarmos das suas
convicções, fazendo-nos alcançar a meta, dirigindo-nos pelo bom caminho, tudo
nessa linguagem clara, precisa, que constitui um característico nos anais
literários.
O homem, nós o repetimos, deixou-nos, mas
Allan Kardec é imortal, e a sua memória, os trabalhos, o Espírito, estarão
sempre com aqueles que sustentarem com firmeza e elevação a bandeira, que ele
sempre soube fazer respeitar. Uma individualidade pujante construiu o
monumento. Esse monumento será para nós na Terra a personificação daquela
individualidade. Não se congregarão em torno de Allan Kardec: congregar-se-ão
em torno do Espiritismo, que é o monumento pôr ele erigido. Através dos
conselhos dele, sob a sua influência, caminharemos com passo firme para essas
fases venturosas prometidas à humanidade regenerada. (Revue Spirit. Maio 1869).