segunda-feira, 22 de julho de 2024

 

Sempre merecemos.

“Todos os seres irmanam-se, uns aos outros, no plano gigantesco da perfeição que nos escapa, por agora, em sua visão magnificente de conjunto, e, para escalarmos os domínios da felicidade e da luz, é imprescindível atender à função que nos compete, no mecanismo da existência”.                                                                               Emmanuel

Muito difícil entender e principalmente aceitar determinadas situações, às quais, em uma análise superficial, nos passariam como tremendas injustiças perpetradas pelo destino em direção às criaturas na Terra.

Por que certas pessoas atravessam momentos de grande dificuldade na existência, enquanto outras não experimentam semelhantes dificuldades no campo do sofrimento, especialmente quando nos referimos aos problemas de saúde ou às questões familiares de toda ordem?

Refletir sobre o merecimento nestas ocorrências pode ser acertado, desde que, nos disponhamos a raciocinar sobre a base que nos oferece a Doutrina Espírita. Fora dela, é aceitar que Deus joga dados com nossas possibilidades.

Somos espíritos imortais detentores de infinitas potencialidades que, gradualmente serão desenvolvidas de dentro para fora, em inúmeras existências nas muitas moradas da casa do Pai. Partir desta premissa para compreender, é fundamental.

Presentemente, como espíritos ainda no início de nossa jornada evolutiva, temos experimentado muitas coisas no processo de desenvolvimento, porém como criança nos primeiros passos de seu crescimento, muito mais erramos e caímos do que acertamos. Trata-se de um processo natural.

Portanto, todos carregamos o fardo de antigos débitos, que pela misericórdia divina, a luz das experiências bem vividas clareia a sombra das imperfeições em nós.

Compreender que passar por etapas difíceis com sofrimento, pode ser visto sob a ótica do merecimento de cada um. Merecer viver o que é superior e ser feliz, assim também, merecer sofrer e encarar dificuldades para reparar e reconciliar, tem o mesmo sentido de direção. Essa noção auxilia-nos a melhor entender a frase contida no capítulo IX do Evangelho Segundo o Espiritismo, em que um espírito amigo começando a discorrer sobre a paciência, afirma que “ a dor é uma benção que Deus envia a seus eleitos”.

O espírito na sua jornada evolutiva pode então, merecer ser feliz ou infeliz. No primeiro caso, merecer será sinônimo de esforço, de dedicação e de imensa disciplina, enquanto no segundo, é necessário compreender que, onde estivermos, na Terra ou no Além, não estamos entregues a nós mesmos, mas sim, às nossas próprias obras.

Aliás, um dos maiores equívocos que o homem encarnado comete, é pensar que o merecimento decorrerá simplesmente do ato de crer ou da expressão dos conhecimentos que possua, por mais amplos que ambos, fé e conhecimento, representem. 

A lei do merecimento e a caridade não se apartam. Dai e dar-se-vos-á, ensinou Jesus. Para receber graças e benção do Alto, é indispensável dar graças e abençoar. Somente damos do que temos e para ter é necessário obter. E para obter, somente com trabalho edificante que sempre exigirá fidelidade e esforço, aplicação e disciplina.

De fato, sempre mereceremos, em qualquer momento da vida imortal, vivermos para a luz ou para a escuridão; para a saúde ou para a enfermidade; para o amor ou para o ódio; para a felicidade ou para a desdita, em decorrência das obras praticadas.

Estas serão o fiel da balança, sempre.

Para ilustrar devidamente este assunto, transcrevo lição denominada “O Merecimento” do livro A vida escreve, pelo espírito de Hilário Silva, psicografado por Chico Xavier e Waldo Vieira.

I

Saturnino Pereira era francamente dos melhores homens. Amoroso mordomo familiar. Companheiro dos humildes. A caridade em pessoa. Onde houvesse dor a consolar, aí estava de plantão. Não só isso. No trabalho, era o amigo fiel do horário e do otimismo. Nas maiores dificuldades, era um sorriso generoso, parecendo raio de sol dissipando as sombras.

Por isso mesmo, quando foi visto de mão a sangrar, junto à máquina de que era condutor, todas as atenções se voltaram para ele, entre o pasmo e a amargura.

Saturnino ferido! Logo Saturnino, o amigo de todos…

Suas colegas de fábrica rasgaram peças de roupa, a fim de estancar o sangue a correr em bica.

O chefe da tecelagem, solícito, conduziu-o ao automóvel, internando-o de pronto em magnífico hospital.

Operação feliz. O cirurgião informou, sorrindo:

— Felizmente, nosso amigo perderá simplesmente o polegar. Todo o braço direito está ferido, traumatizado, mas será reconstituído em tempo breve.

Longe desse quadro, porém, o caso merecia apontamentos diversos:

— Por que um desastre desses com um homem tão bom? — Murmurava uma companheira.

— Tenho visto tantas mãos criminosas saírem ilesas, até mesmo de aviões projetados ao solo, e justamente Saturnino, que nos ajuda a todos, vem de ser a vítima! — Comentava um amigo.

— Devemos ajudar Saturnino.

— Cotizemo-nos todos para ajudá-lo.

Mas também não faltou quem dissesse:

— Que adianta a religião, tão bem observada? Saturnino é espírita convicto e leva a sério o seu ideal. Vive para os outros. Na caridade é um herói anônimo. Por que o infausto acontecimento? — Expressava-se um colega materialista.

E à tarde, quando o acidentado apareceu muito pálido, com o braço direito em tipoia, carinho e respeito rodearam-no por todos os lados.

Saturnino agradeceu a generosidade de que fora objeto. Sorriu, resignado. Proferiu palavras de agradecimento a Deus. Contudo, estava triste.

II


À noite, em companhia da esposa, compareceu à reunião habitual do templo espírita que frequentava.

Sessão íntima.

Apenas dez pessoas habituadas ao trato com os sofredores. Consagrado ao serviço da prece, o operário, em sua cadeira humilde, esperava o encerramento, quando Macário, o orientador espiritual das tarefas, após traçar diretrizes, dirigiu-se a ele, bondoso:

— Saturnino, meu filho, não se creia desamparado, nem se entregue a tristeza inútil. O Pai não deseja o sofrimento dos filhos. Todas as dores decretadas pela Justiça Divina são aliviadas pela Divina Misericórdia, toda vez que nos apresentamos em condições para o desagravo. Você hoje demonstra indiscutível abatimento. Entretanto, não tem motivo. Quando você se preparava ao mergulho no berço terrestre, programou a excursão presente. Excursão de trabalho, de reajuste. Acontece, porém, que formulou uma sentença contra você mesmo…

Fez uma pausa e prosseguiu:

— Há oitenta anos, era você poderoso sitiante no litoral brasileiro e, certo dia, porque pobre empregado enfermo não lhe pudesse obedecer às determinações, você, com as próprias mãos, obrigou-o a triturar o braço direito no engenho rústico. Por muito tempo, no Plano Espiritual, você andou perturbado, contemplando mentalmente o caldo de cana enrubescido pelo sangue da vítima, cujos gritos lhe ecoavam no coração. Por muito tempo, por muito tempo…

E continuou:

— E você implorou existência humilde em que viesse a perder no trabalho o braço mais útil. Mas, você, Saturnino, desde a primeira mocidade, ao conhecer a Doutrina Espírita, tem os pés no caminho do bem aos outros. Você tem trabalhado, esmerando-se no dever… Não estamos aqui para elogiar, porque você continua lutando, lutando… e o plantio disso ou daquilo só pode ser avaliado em definitivo por ocasião da colheita. Sei, porém, que hoje, por débito legítimo, alijaria você todo o braço, mas perdeu só um dedo… Regozije-se, meu amigo! Você está pagando, em amor, seu empenho à Justiça…

De cabeça baixa, Saturnino derramava grossas lágrimas.

Lágrimas de conforto, de apaziguamento e alegria…

Na manhã seguinte, mostrando no rosto amorável sorriso, compareceu, pontual, ao serviço.

E porque o fiscal do relógio lhe estranhasse o procedimento, quando o médico o licenciara por trinta dias, respondeu simplesmente:

— O senhor está enganado. Não estou doente. Fui apenas acidentado e posso servir para alguma coisa.

E caminhando, fábrica a dentro, falou alto, como se todos devessem ouvi-lo:

— Graças a Deus!

Referência

(1) Silva, Hilário. A vida escreve. Psicografado por Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira. 6ª ed. Brasília. Editora FEB, 1987. 224p. 

Um comentário:

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